terça-feira, 7 de maio de 2013

Fagulhas de Lembranças (i)

"Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te."

Shakespeare





Mães que se unem: o mundo está salvo.



Não adianta, minha querida, não vô-la esquecer-te jamais. Teus olhos caídos, teu andado lento, teus cabelos grisalhos, tua fortaleza viva, tua voz, sorriso... Um manancial de conhecimentos dos quais minha vida retira todos os dias, mesmo depois de um ano que se fora, toda força e fé, todo amor e dedicação, todo ar que respiro. E, a depender de mim, estarás estampada no quadro de minha alma eternamente.

Eu...    
                                         
Não sei se fui um bom filho, mesmo porque me dera toda educação advinda de suas raízes, nas quais o homem era (e sempre foi) o mais inteligente, o mais forte, e o conhecedor maior de Deus, pois no livro sagrado, ao citar a máxima “E Deus o fez à sua semelhança”, trouxe à tona, como em tradições que se fizeram em cima de literalidade dos símbolos, a falácia de ver o Senhor em terra, ou sua imagem.

Mas, como saber se tínhamos a inteligência e a força necessária se ela, a grande gladiadora do presente, com toda sua energia, se levantava, com ou sem dores, nos fazia por os pés no chão cheios de raiva e ao mesmo tempo cheios de humor...! Como? Uma pessoa que resolvia todos os conflitos, não só nossos, como os dos amigos e amigas, por intermédios de conselhos, de broncas, e se fosse possível levantaria no meio da noite, só para saber se aquele filho, com mais de quarenta anos, estaria bem ou não?... Não sei se temos a mesma força e inteligência.

Coisas de mãe? Talvez.

Não seria triste se generalizássemos tais atos a dizer “É assim mesmo?”, ou “É coisa de mãe!”... para mim, não somente é como também vos digo “é coisa de alguém que nunca mais existirá no mundo inteiro”, pois atravessamos o oceano do modernismo, no qual mães e pais se digladiam feitos inimigos em nome de uma educação fria, cheia de riscos, e medos.

A tradição arcaica, ainda que houvesse seus defeitos, nos trouxe uma pessoa cuja grandeza, a meu ver, só se compara a das grandes rainhas, cujo cetro invisível baila na mão direita, na qual homens e mulheres observam aficionados a espera de um comando...

Uma rainha de modos simples, que se misturavam aos mais complexos, os quais no momento em que se sentia mal por causa de uma derrota, dizia... “Levanta, levanta, tá na hora de levantar!” – sem um resquício do que tínhamos sofrido no inicio do problema... E levantávamos.

Uma Senhora que educava não sutilmente, e em cada palavra a tentativa de ver sua cria bem cuidada... “Já tomou café?”, “Já almoçou?”... E se a resposta fosse negativa, lá vinha, com suas mãos flácidas e ossos fortes, a xícara ou o prato maravilhosos, com o melhor do café ou do almoço, fosse improvisado ou não.

Talvez um ato simples, mas se perde quando em uma roda de conversas percebe-se que há pensamentos de mulheres contra e ao mesmo tempo levemente discriminosos em relação ao que se deve uma mulher fazer aos seus filhos ou marido.

A tradição arcaica, mesmo que ainda sejamos preconceituosos em relação a ela, nos trouxe a certeza de servir aos membros da família e de todos, não a dúvida acerca do que podemos ou não fazer, do que somos ou não. Isso nos faz um passo atrás de um conhecimento que nem mesmo o era, e nos faz crianças choronas sem destino.

Hoje, as rainhas estão se indo. Não mais há nas vias da vida, a servir com amor e vontade, pois o amor saiu de moda e deu lugar ao ecletismo, ao feminismo que se sobrepuja ao que realmente as mulheres podem fazer ao próximo. O machismo, em sua triste desinformação, vê isso como o pico da realidade: o de ser servido.

Porém, não se sabe que o universo é feito de ações e reações, dentro das quais somos inseridos. E quando uma mulher doa seu coração em um ato, deve o homem dar-lhe com mais coração ainda em um segundo ato, o amor. Pois, em verdade vos digo, se não deres o amor à pessoa que o ama de todo coração, não vales a pena, pois tua alma é pequena...

E ao buscar compreender essa alma imensa, dessa senhora que nos atribuiu toda sua paz e vida, fico perdido, pois não consigo compreender a profundidade dessa humanidade, ainda que tento, nos meus dias solitários, na busca mais que intrínseca, mais que divina... Não consigo, porque não sou nem mesmo a fagulha de sua sombra, minha querida e divina mãe.

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