quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Amiga do Fogo e da Água.

A realidade de uma dor nos faz refletir acerca da vida, da morte, do mundo... Acerca de nosso papel frente à família, aos deuses, enfim, a realidade, rainha das essência físicas e materiais, se esconde por trás de portas que fazemos questão de fechar, mas um dia temos que abri-la, e encarar o que está do outro lado... Nós mesmos.







Conheço uma amiga, muito amiga, que está se perdendo em prantos, e deles não consegue se dissipar. É a dor de uma mãe que se foi, três anos depois de seu irmão mais velho ir para o desconhecido; de um marido frio, calculista, que, ao saber que suas honrarias acabaram --  sua sogra o tratava como a um filho; -- e por isso, não havia mais proteção, cativo, enfim, a segunda mãe se foi. E, assim, pediu divórcio a ela, a essa querida amiga. O destino, não satisfeito, essa semana, fez com que um outro irmão adoecesse, e agora precisa muito de sua ajuda.

Mais tarde, porém, o marido voltou. Na complacência de tentar novamente se lidar com ela, na dúvida, ao lembrar-se de suas duas filhas bem criadas, lá estava ele de volta. Não por muito tempo, no entanto. Mais tarde, os sonhos de uma re-vida (uma nova vida) voltariam a desabar, mesmo porque, quando se volta ao velho-novo modo de viver, é como se soubesse o que queremos, ou o que o parceiro pretende... E por isso, a descontínua vida, ou a depender de quem a leva, a dependência total àquele que um dia amou... No caso desta, o marido.

Ele, no entanto, queria a felicidade, algo que se pode conseguir em conjunto, ou individualmente. Hoje, quando se fala em felicidade, pairamos em conceitos vagos, dos quais conseguimos relatar fatos corriqueiros, dentro de meios que, acreditamos, ser o pico da montanha mais bela... Mas é apenas um pássaro que se vai, azul, perfeito, do qual sentimos saudades, mas não o vemos por muito tempo...

Assim, minha amiga, ao saber que o seu esposo, o buscador de felicidades individuais (?), queria outro meio a se viver, respirar outros ares, curtir outras esferas, enfim, sorrir um pouco, pois não conseguia sorrir em uma família linda, em que tudo se tinha, até adolescentes encaminhados à faculdade, e se foi novamente...

Não conseguia amar o quadro que a natureza divina lhe havia dado, e sim, amar o que nele, egoisticamente, nascia: a vontade de se fazer feliz. Na realidade, há pessoas felizes que querem o mesmo ao parceiro, e que tem a vontade disciplinar em buscar o amor em seu mais profundo conceito, e há aqueles que desistem de buscar o que a nós compete: sermos felizes ao lado de quem amamos.

Claro que, se buscarmos a felicidade individualmente, não é nenhum pecado, mas se estamos dentro de uma família, de um meio em que vivemos segundo as regras divinas, ou menos do que isso, de uma regra social, de alguma maneira, temos que nos educar, nessa vivência, e começar, todos os dias, nos fazer questionamentos a respeito do como podemos ser felizes juntos.

É uma ideia utópica? Não. Obviamente que não. Somos partícipes de sonhos mais complexos, nos quais fazemos questão de vivenciar,  e por que então desistir de outros mais arrojados, como por exemplo, fazer feliz a nossa família – não é tão utópico assim...

Hoje, quando observo essa amiga, uma criatura que se tornara tão forte e ao mesmo tempo tão frágil, temo o que a espera. Depois da ida de sua mãe ao céu dos justos, ela percorre meios para se infiltrar, viver, sentir, mas não consegue... E sei por quê. Sei também que os problemas nos tornam fortes, ao passo que nos conscientizamos de que a chamada vingança não seja um dos pratos de nosso ego ferido.

Não adianta dizer que Deus quer assim, nem mesmo dizer que a culpa é Dele; somos fiéis aos nossos desejos, e dele nos comprazemos como se fôssemos crianças, mas ao chegar a dor, o medo, o desespero, a falta de tudo que nos firmou até ali, pensamos apenas em impor culpas em todos e em tudo – menos em nós.

Essa querida amiga, pelos rastros de ódio que havia deixado, sabíamos que seu futuro emocional não seria tão perfeito, ainda que estivesse materialmente confortável. Mas isso nunca nos revelou o que sentimos por dentro.

As raízes de nossa vida, aquelas que ficam em cada um após turbulências, devem ser revistas, observadas como uma criança má, o que significa que, na maioria das vezes, não conseguimos educá-las, e assim, acabamos aprendendo com elas...  Aprendendo que devemos nos observar, em palavras, em gestos, e perguntar para onde estamos indo e por quê; tentar entender nosso papel no mundo, antes aos nossos princípios, ideais,  e não sucumbir a desejos daquela criança má, que vive em nós.

Pensar na vida como um grande mar e que de alguma forma temos que nadar rumo ao nosso navio, ou olhar para o céu, observar aquela estrela bela, e ainda que esteja longe de nossos propósitos, saber que existem outras que podemos alcançar; e se não, que a lua seja o objeto de busca.

Sei que não é tão fácil assim... Ainda ontem, fiquei sabendo que, além da mãe que ela perdera, do marido que se revelou um egoísta, e se foi em  busca da felicidade, o irmão dela quase sucumbiu a uma doença que ainda prefere ocultar-se aos olhos, mas não aos sentimentos; dizem que seu irmão, o que mais ama, antes um atleta, um teimoso andarilho, está com várias manchas no pulmão; hoje, não consegue se deslocar facilmente de um lugar para o outro, nem mesmo descansar sua cabeça sobre as mãos quando tentar descansar, sentado à mesa na hora do almoço.

E o coração dessa querida amiga, com certeza, ainda tenta entender o porquê de o destino lhes resguardar tantas más surpresas. Mas ela continua de pé, forte, a criar suas filhas, tenta... Mas sabemos o quanto chora às escondidas, o quanto sente falta de uma família composta por ela, suas filhas e mais um.


O meu papel nisso tudo, talvez, é observar de longe, vê-la crescer ante a tudo que por ela passa; sei também que tem vergonha em me dizer, relatar sua dor, mesmo porque sou homem, e isso a perturba, pois não tenho a visão do segundo logus em experiências tais quais a essas; mas de uma coisa eu sei, ela vai olhar para o céu, buscar forças, como a um pássaro o faz perto do sol, tentar sorrir, e nesse sorriso entender que há mais entre nós humanos e esse céu que nos cobre.

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