quarta-feira, 25 de abril de 2018

Encantamento

O encantamento em ver o ser humano procurando a verdade em pergaminhos clássicos, do tempo dourado de Roma; persistindo em decifrar hieróglifos da grande nação que um dia fora potencia cultural, bélica e espiritual da humanidade -- o Egito; o prazer em ver homens em meio a batalha a levar um lenço, a significar a parte humana, tão significativa, tão legítima e bela, dentro do homem; a beleza em orar antes da guerra, a pedir os deuses que a morte seja a ponte entre o homem e Deus; o mistério em ver homens se sacrificando por outros sem mesmo saber se estes vão ou não entender aquele ato tão nobre e ao mesmo tempo santo... 

Enfim, temos a santidade em nossos olhares e misticidade em nossas mãos, assim como Dédalo o teve quando fez as grandes asas que o levou à Liberdade, à lei, à Ordem, ao contrário de seu filho, Ícaro, que provou que ainda temos muito que aprender quanto ao que somos frente ao uno, e por isso sempre o desafiamos. 

Desafio necessário e ao mesmo tempo ambíguo, pois pode nos tornar sagrados demais ou profanos em demasia, o que não nos faz nem mais nem menos homem, mesmo porque voltamos à tona, seja do poço, seja da lama, seja do abismo, e num impulso voltamos a ser sagrados tanto quanto pico daquela montanha quase inatingível.

O encantamento se faz lá em cima. Ao sentar-se na neve pomposa, perto das nuvens, a observar o mundo bem de longe, como se fôssemos deuses livres e, assim, nos questionamos a respeito do que queremos e até que ponto o queremos: ser sábios, compreender profundamente nossas raízes, nosso mundo, de onde viemos e porquê; saber por que nossos corações se alimentam de atos corajosos, ainda que em batalha a dor se mostra...

Queremos subir, de alguma forma; olhar as estrelas de perto, pegá-las e de algum modo substituir aquele brilho pelo nosso, lá de baixo do mundo, ser semelhante a elas. Queremos cantar, ouvir a melhor música, aquela que penetre em nossos corações e alma, como se fosse um antídoto contra o mal que assola nosso corpo pelas mazelas plantadas pelos amos; queremos ouvir a poesia, possuí-la em nosso corpo, praticá-la, envolvendo divindades e ao mesmo tempo nossos atos, os quais direcionamos todos os dias ao céu.

Queremos ver nossas mulheres dormindo, nossos filhos correndo, as matas surgindo, a terra nos fornecendo alimentos; ver a paz surgindo assim como por encanto, do nada, como que uma torneira se fecha, ou quando uma grande chuva cessa, de um instante para o outro; queremos ver homens guerreiros, a encarnar o Leão de Hércules, quando o felino e o homem se torna um, ao ser morto pelo herói.

Somos encantados, e não podemos perder esse dom divino. O dom da busca, pelo menos, esse que tanto some nas horas em que nos vem masticada a notícia, a fala do jornalista, ou mesmo quando a televisão nos toma a sala. Ele permanece em nós, quando sentimos um papiro descoberto, quando uma palavra se religa ao seu real significado, ou mesmo quando sabemos que fazemos parte de um todo organizacional, cuja inteligência não temos nem mesmo que questionar -- o ponto máximo da vida talvez.

Não importa, tudo nos encanta.

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